Clínica de Transição: o que é, sua origem e seus resultados ao redor do mundo

Por clinicadetransicao

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19.02.2024 às 12h41m

Clínicas de transição são unidades de referência em cuidados especializados e são considerados o elo entre os serviços de alta complexidade oferecidos no hospital geral e o retorno seguro do paciente ao domicílio. 

Seu foco é o atendimento às pessoas que apresentam um quadro clínico estável o suficiente para deixar o hospital após um evento agudo, mas que ainda necessitam de cuidados multidisciplinares ou um período de reabilitação e adaptação antes de voltar às suas casas. 

Essas unidades também recebem pacientes em cuidados paliativos, com doenças sem prognóstico de cura e manejo avançado de sintomas associados à terminalidade.

Para garantir essa passagem segura e eficiente entre níveis de cuidado, evitando agravamento de quadros e reinternações, a unidade de transição engloba um amplo espectro de serviços e ambientes especialmente estruturados, trazendo elementos de humanização, acolhimento e integração do paciente. 

Um dos seus diferenciais é trabalhar com planos de cuidados individualizados, que são concebidos e executados por uma equipe transdisciplinar (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais). Outra característica importante das clínicas de transição é o tempo dedicado à orientação e preparação de familiares e cuidadores dos pacientes para que tenham condições de dar continuidade aos cuidados necessários aos pacientes em um novo contexto domiciliar.

Mas como e onde esse modelo surgiu? Por que ele tem se popularizado? Quais são seus benefícios? E, principalmente: como ele funciona na prática? 

O mundo muda e os cuidados também

Nas últimas décadas, o perfil da população mundial mudou. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, em 2018, pela primeira vez na história, as pessoas com 65 anos ou mais superaram numericamente as crianças com menos de cinco anos. 

E, embora o Brasil ainda seja considerado um país relativamente jovem em comparação com algumas nações mais desenvolvidas, essa transição demográfica em direção a uma população mais idosa também está em curso por aqui. É o que podemos observar no gráfico abaixo, divulgado pelo Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME). 

Qual a proporção entre pessoas mais velhas e mais novas na população e como esses padrões vão mudar?

QUAL É A PROPORÇÃO ENTRE PESSOAS MAIS VELHAS E MAIS NOVAS NA POPULAÇÃO E COMO ESSES PADRÕES VÃO MUDAR
Fonte: Pesquisa “Global Burden of Disease 2017”, divulgada pelo IHME, instituto sediado na Universidade de Washington, em Seattle (EUA)

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que essa mudança está em andamento há algumas décadas: de 1940 até 2022, a expectativa de vida do brasileiro (média considerando homens e mulheres) saltou de 45,5 anos para 75,5 anos. Nos últimos 16 anos, a tendência se evidenciou ainda mais, visto que a população idosa aumentou 73%, totalizando mais de 33 milhões de pessoas em 2023 (16% da população total). 

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. Nesse mesmo panorama, Minas Gerais deverá ser o estado com a maior população idosa do país até 2060, prevendo-se que 1 em cada 3 mineiros terá mais de 60 anos.

As projeções para o futuro mostram uma continuidade dessa tendência, estimando que, em 2100, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer será de 88 anos e que as pessoas 60+ serão quase 40% da população (pesquisa “World Population Prospects: The 2015 Revision”, da Organização das Nações Unidas).

Esse cenário apresenta grandes desafios, especialmente na área da saúde, que se depara com uma nova demanda: a necessidade da criação de clínicas cada vez mais capacitadas e focadas no cuidado de pacientes mais velhos e com condições de saúde complexas. 

As clínicas de transição ganharam destaque pela filosofia Hospice dos Cuidados Paliativos, que, além do respeito à autonomia do paciente, traz como foco os cuidados essenciais de suporte emocional, social, físico e até espiritual de pessoas que apresentam normalmente sintomas de difícil controle e perda de funcionalidade. O nome “hospice” faz referência ao termo hospitalidade, com origem histórica nos abrigos e hospedarias para pessoas doentes que eram mantidos por religiosos na Europa do século XI. Mais tarde, esse modelo evoluiu até chegar ao de clínica de transição que conhecemos hoje.

A Europa (região que já sente o envelhecimento da população há mais tempo) saiu na frente, seguida pelos Estados Unidos e Canadá. Embora se organizem com o mesmo objetivo – fazer uma desospitalização segura e melhorar a qualidade de vida de pacientes pós-agudos, crônicos e paliativos – os cuidados de transição se estruturam de forma diferente, dependendo do país. 

Em Portugal, que é referência forte para o modelo de transição que vem sendo desenvolvido no Brasil, os cuidados integrados de transição estão ligados à rede nacional de saúde, por isso seguem um modelo mais centralizado e padronizado. Guardadas as devidas particularidades, um modelo semelhante ocorre no Reino Unido e no Canadá. Nos Estados Unidos, onde a estrutura da rede de saúde é mais pulverizada e envolve um grande número de instituições privadas, acontece uma variação maior de modelos e formatos de prestação de serviços. 

Mas, independentemente da gestão adotada, as unidades de transição mostram crescimento global. Em países europeus e no Canadá, do total de leitos disponíveis atualmente, de 15% a 25% estão na categoria “transição”. Nos Estados Unidos, a quantidade de leitos para cuidados pós-agudos já supera largamente a de leitos agudos. 

No Brasil, a primeira unidade de transição de cuidados foi inaugurada em meados da década de 1970, mas o modelo assistencial ganhou mais destaque no início dos anos 2000, e atualmente passa por grande expansão. Grande parte (9 a cada 10 leitos) ainda se concentra na região Sudeste, com ênfase em São Paulo, que é responsável por 62,6% da oferta (dados da Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição – Abrahct). 

Modelo em constante evolução e aprimoramento 

A criação de clínicas de transição ganhou destaque à medida que os sistemas de saúde reconheceram a importância de abordagens mais integradas e centradas no paciente. A transição de cuidados se tornou uma área de foco pelos benefícios que apresenta, tanto em termos de soluções assistenciais eficientes – colaborando, por exemplo, com a redução das taxas de readmissão hospitalar – quanto na melhora da economicidade dos serviços de saúde.

Embora não haja uma data precisa para o surgimento dessas unidades de transição, é seguro dizer que o conceito tem evoluído e se aprimorado nas últimas décadas, à medida que os sistemas de saúde buscam maneiras mais eficazes e econômicas de fornecer cuidados contínuos e de qualidade.

O que as clínicas de transição fazem?

De maneira geral, as clínicas de transição de referência no Brasil oferecem um jeito único de cuidar, em um ambiente menos propício a infecções, baseadas em três linhas de cuidados: reabilitação, cuidados crônicos e paliativos. 

As clínicas de transição têm o papel de acolher pacientes após a fase aguda de uma doença que já não demandem intervenções de alta complexidade ou terapia intensiva, mas que, devido a enfermidades crônicas ou degenerativas (mais comuns no público idoso) ou por sequelas pós-traumas ou operatórias, apresentam perda de funcionalidade e ainda necessitam de recuperação depois da saída do hospital geral. Ou seja, esse paciente já superou a fase aguda da doença, mas ainda está debilitado funcionalmente e não está totalmente preparado para voltar para casa.

O ambiente de uma clínica de transição é propício para a reabilitação das funcionalidades do paciente e para dar mais qualidade de vida a ele. Geralmente, inclui um avançado centro de reabilitação física e atividades terapêuticas com foco nas habilidades necessárias para se ter autonomia no dia a dia, permitindo que os pacientes redescubram alguns prazeres nas coisas simples da vida, como pentear os cabelos, se alimentar por via oral ou respirar sem ajuda de aparelhos.

Um outro aspecto importante é o uso de tecnologias leves e especializadas no processo de reabilitação. Tudo isso, colocado em prática por equipes transdisciplinares, que auxiliam os pacientes a terem mais autonomia, independência e qualidade de vida. 

Uma proposta que não visa somente à cura da doença, mas coloca o paciente e a família como uma unidade de cuidado, tratando de forma certa, no tempo correto e local adequado, permitindo uma assistência que vai gerar os melhores resultados para o paciente.

Outras práticas que ajudam a ampliar a efetividade dos atendimentos em clínicas de transição são: 

Plano terapêutico individualizado

No momento da admissão, os pacientes são avaliados por uma equipe transdisciplinar, que desenvolve planos terapêuticos individualizados para garantir a recuperação da autonomia e bem-estar.

Administração de medicamentos

A correta adesão aos tratamentos médicos iniciados no período agudo deve ser uma preocupação prioritária para a clínica de transição. A equipe assistencial deve assegurar que os pacientes recebam a medicação correta no horário adequado, com monitoramento de possíveis efeitos colaterais ou interações medicamentosas.

Educação e capacitação de familiares e cuidadores

No contexto dos cuidados de transição, a educação e a capacitação das famílias fazem toda a diferença. Afinal, elas precisam estar envolvidas, bem como aptas a cuidar de seus entes queridos no retorno ao lar. O mesmo vale para os cuidadores, que muitas vezes precisam de orientações específicas acerca do quadro do paciente. Na clínica de transição, pacientes, familiares e cuidadores são educados sobre o manejo de condições médicas, cuidados diários e outras necessidades de saúde.

Apoio psicológico e social

O momento de transição de cuidados pode envolver estresse, ansiedade e até mesmo depressão para pacientes e familiares. Por isso, profissionais como psicólogos e assistentes sociais são fundamentais para promover o bem-estar e a saúde mental.

Preparação para o retorno para casa

O preparo do retorno para casa é uma das principais funções das clínicas de transição. Após a alta do hospital geral, os cuidados prestados nessa instituição se voltam para a capacitação aos cuidados a serem prestados no retorno ao lar, adaptação e manuseio de  dispositivos (ventilatórios, sondas, entre outros), bem como preparação do indivíduo para uma vida mais independente. Tudo isso colabora na autonomia e na autoestima do paciente, permitindo que ele retome suas funcionalidades e qualidade de vida.

Redução significativa de custos

Outra dimensão fundamental é a economia. O custo de um paciente em uma clínica ou hospital de transição é consideravelmente menor em comparação a uma internação hospitalar tradicional, com reduções entre 50% e 80%. Isso se torna ainda mais importante em um momento em que o sistema de saúde suplementar enfrenta desafios, como altas taxas de sinistralidade e custos médicos elevados. A eficiência e a redução de custos oferecidas pelas clínicas de transição colaboram para a sustentabilidade do sistema de saúde.

Se você quer saber mais sobre a transição de cuidados e as inovações nessa área da saúde, acompanhe nosso Portal. 

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