Sustentabilidade do sistema de saúde

Remuneração Baseada em Valor: quais os benefícios para o Sistema de Saúde no Brasil?
Por clinicadetransicao
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26.06.2024 às 13h00m
O evidente envelhecimento da população brasileira, o aumento da expectativa de vida e da incidência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são alguns fatores que têm tornado cada vez mais desafiadora a sustentabilidade do sistema de saúde no país.
Em resposta a isso, novos modelos de financiamento, mais centrados na jornada do paciente, têm sido discutidos. Um deles é a Remuneração Baseada em Valor (RBV).
Fundamentado na noção de “Cuidado de Saúde Baseado em Valor”, um termo derivado do inglês “Value-Based Health Care” (VBHC), a Remuneração Baseada em Valor busca melhorar a eficiência e qualidade dos serviços públicos, valorizando a percepção dos pacientes ao final dos processos.
É um modelo que se contrapõe ao Pagamento por Procedimento (Fee For Service), mais comum no país, e à remuneração por diárias.
Neste artigo, compreenda como funciona a Remuneração Baseada em Valor e qual seu impacto no sistema de saúde brasileiro e na qualidade do tratamento dos pacientes.
Remuneração Baseada em Valor: o que é?
O objetivo desse modelo é estabelecer parâmetros que permitam mensurar a qualidade do serviço prestado, com foco em toda a jornada do paciente ao longo da cadeia de interações com o sistema de saúde.
Nesse sentido, as instituições que oferecem um serviço de mais qualidade são incentivadas com uma remuneração maior.
O modelo de Pagamento por Procedimento (Fee For Service), por exemplo, traz fragilidades graves que comprometem a sustentabilidade do Sistema. Direta ou indiretamente, acabam favorecendo e incentivando a realização de procedimentos desnecessários. Além disso, desarticulam a rede de cuidados e, em última instância, desperdiçam recursos e tempo essenciais em um processo de cura.
A remuneração por diárias também acaba incentivando a permanência além do necessário de muitos pacientes em internações desnecessárias ou reinternações, aumentando o risco de intercorrências. Outro aspecto negativo desse modelo é o desincentivo à mensuração da qualidade em saúde, já que os envolvidos estão focados no volume e não na qualidade.
Principais vantagens do modelo RBV
- Gastar menos com desperdícios.
- Investir no que proporciona desfechos mais satisfatórios para os pacientes.
- Gerar de forma coordenada indicadores de valor que melhorem o sistema de saúde cada vez mais.
Essas são as transformações de paradigma que a Remuneração Baseada em Valor pode realizar.
A coordenação de cuidados é um ponto chave nesse processo. Ao invés de incentivar a fragmentação do atendimento que a prioridade do volume acarreta, seu o objetivo final é conseguir uma percepção de valor mais positiva do beneficiário. Para isso, é necessário articular diferentes instituições e prestadores de serviço para a construção de uma jornada do paciente mais eficiente. Isso evita desperdícios, inclusive administrativos, com menos discrepâncias documentais e processos burocráticos junto às operadoras.
Tanto nos Estados Unidos como na Europa, muitos benefícios foram percebidos. Nos EUA, economias substanciais e melhorias na qualidade do cuidado foram percebidos em serviços de saúde que usam a RBV. No continente europeu, a RBV melhorou o alinhamento de incentivos entre pacientes, prestadores e pagadores.
Além disso, a RBV também traz melhores resultados para todos porque aprimora a atenção primária e os cuidados preventivos, preservando os atendimentos de alta complexidade para os momentos em que são mais necessários.
Além de ser menos custoso para operadoras e prestadores de saúde, para os beneficiários o aumento na segurança assistencial se reflete em menos intervenções agudas e melhores resultados em processos de cura e de recuperações.
Desafios da implantação do modelo RBV no Brasil
Apesar dessas vantagens, a RBV ainda enfrenta alguns desafios para a implementação plena no Brasil. Estima-se que, ainda hoje, mais de 90% da remuneração de atores do Sistema de Saúde Suplementar no país sejam feitas com base no Pagamento por Procedimento.
Um dos principais desafios é cultural. O diálogo precisa ser realizado tanto profissionais quanto beneficiários no sentido de que nem sempre o mais caro ou mais complexo é o mais indicado. Muito pelo contrário, a atenção adaptada à realidade de cada paciente é que deve ser central.
Outro entrave é consequência dos modelos utilizados atualmente: a desarticulação dificulta o estabelecimento de indicadores de mensuração de valor justos e equilibrados. Essa construção precisa ser coletiva entre todos os atores do Sistema.
Entrevista: CEO da Rede Paulo de Tarso fala sobre os benefícios do modelo RBV

Em entrevista,o CEO da Rede Paulo de Tarso, Carlos Costa, detalha esse modelo inovador e explica como esse novo paradigma pode transformar o sistema de saúde suplementar no país. Confira:
Portal Clínica de Transição: Dr. Carlos Costa, o que é a Remuneração Baseada em Valor (RBV) e como ela se difere do modelo de remuneração tradicional no setor de saúde?
Carlos Costa: A Remuneração Baseada em Valor é uma abordagem inovadora no setor de saúde que foca na qualidade e nos resultados dos cuidados prestados aos pacientes, ao invés da quantidade de serviços fornecidos.
Diferente do modelo tradicional, que geralmente paga por procedimento ou serviço, a RBV busca alinhar os incentivos financeiros com a saúde e o bem-estar do paciente, premiando os provedores de saúde que conseguem entregar cuidados de alta qualidade, eficazes e eficientes.
Isso significa olhar além dos serviços prestados, focando nos resultados assistenciais e na satisfação do paciente.
Portal: E quais são as principais vantagens da RBV para o sistema de saúde brasileiro?
Carlos Costa: As vantagens são múltiplas e significativas. Primeiramente, a RBV incentiva a redução de desperdícios, pois premia a eficiência e desencoraja práticas desnecessárias. Isso não só otimiza os recursos, mas também pode resultar em economias substanciais para o sistema de saúde como um todo.
Para os pacientes, essa abordagem promove melhores desfechos assistenciais, como a redução de rehospitalizações e iatrogenias, pois o foco está na qualidade do cuidado.
Para os provedores de saúde e operadoras de planos de saúde, há o incentivo para a inovação e para a adoção de práticas que verdadeiramente agreguem valor ao paciente, o que pode resultar em vantagens econômicas significativas para ambos.
Portal: Na prática, como a Rede Paulo de Tarso está implementando a RBV?
Carlos Costa: Na Rede Paulo de Tarso, estamos comprometidos com a implementação da RBV em todos os níveis de atendimento. Isso envolve desde a adoção de tecnologias que permitam um acompanhamento mais preciso dos desfechos assistenciais até a reestruturação de nossos contratos com operadoras de saúde, para que reflitam os princípios da RBV.
Estamos investindo em sistemas de prontuário eletrônico que integram dados de saúde do paciente em tempo real, permitindo uma avaliação contínua da qualidade do cuidado prestado, seja no período de internação em uma de nossas clínicas ou em monitoramento no domicílio através do Amparo, nosso programa de prevenção secundária.
Além disso, temos parcerias com operadoras de saúde para desenvolver modelos de pagamento que incentivem a prevenção, o tratamento adequado de condições crônicas e a redução de procedimentos desnecessários.
Portal: Quais desafios vocês enfrentam na implementação da RBV e como estão superando esses obstáculos?
Carlos Costa: A implementação da RBV apresenta vários desafios, incluindo a necessidade de mudança cultural entre os profissionais de saúde, a adaptação de sistemas de TI para suportar a coleta e análise de dados relevantes, e a negociação de modelos de remuneração com operadoras de planos de saúde.
Estamos superando esses obstáculos através de programas de treinamento contínuo para nossa equipe, investindo em infraestrutura tecnológica e trabalhando em estreita colaboração com as operadoras para desenvolver modelos de remuneração que sejam justos e que incentivem a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde.
Portal: Qual mensagem você gostaria de deixar para os demais gestores de saúde e para o público em geral sobre a RBV?
Carlos Costa: Gostaria de enfatizar que a Remuneração Baseada em Valor não é apenas uma tendência ou um conceito teórico; é uma abordagem necessária e transformadora que tem o potencial de melhorar significativamente a qualidade e a eficiência do cuidado em saúde.
Para meus colegas gestores, meu conselho é começar a jornada em direção à RBV agora, envolvendo-se ativamente na redefinição de como o cuidado em saúde é prestado e remunerado.
Para o público em geral, saibam que a RBV é sobre colocar os seus interesses no centro do sistema de saúde, assegurando que você receba o cuidado de que precisa, quando precisa, da forma mais eficaz e eficiente possível. Juntos, podemos transformar o sistema de saúde para melhor, com foco no que realmente importa: a saúde e o bem-estar dos pacientes.
Portal: Como a Rede Paulo de Tarso, especificamente através de suas unidades Clínica de Transição Paulo de Tarso e Suntor Clínica de Transição, utiliza indicadores de desempenho para melhorar os resultados dos pacientes?
Carlos Costa: Em nossas unidades, adotamos uma abordagem rigorosa na mensuração de desfechos clínicos que realmente importam para o paciente. Por exemplo, monitoramos de perto indicadores como Ganho de Função Motora, Desmame de Ventilação Mecânica, e Desmame de Traqueostomia.
Estes indicadores são vitais para entendermos não apenas o progresso do paciente durante o tratamento, mas também para ajustarmos nossas estratégias e garantir os melhores resultados possíveis. Um dado que nos orgulhamos é que, em média, conseguimos efetuar o desmame da traqueostomia em 9 de cada 10 pacientes, um resultado que fala sobre volume e a qualidade do nosso cuidado.
Portal: Como esses resultados impactam a economia pós-alta e a qualidade de vida do paciente?
Carlos Costa: Esses resultados têm um impacto direto tanto na economia pós-alta quanto na qualidade de vida do paciente.
Quando um paciente retorna ao domicílio sem a necessidade de suportes invasivos como a ventilação mecânica ou sondas nasoentéricas, os custos com cuidados continuados e o risco de complicações diminuem significativamente.
Além disso, a nossa incidência de lesão por pressão é menor que 1%, muito abaixo da média hospitalar apontada por algumas literaturas entre 15 e 25%, o que significa menos necessidade de curativos especiais e tratamentos para feridas infectadas.
Isso não só reduz os custos com antibióticos caros como também melhora significativamente a recuperação e o bem-estar do paciente.
Portal: E como o modelo de remuneração que a Rede Paulo de Tarso pratica influencia nos resultados?
Carlos Costa: Nossa Rede adota um modelo de remuneração que realmente incentiva a melhoria contínua e o compartilhamento de riscos. Através desse modelo, nós alinhamos nossos interesses com os das operadoras de planos de saúde e, mais importante, com os dos pacientes.
Isso significa que somos incentivados a proporcionar o melhor cuidado possível, não apenas para atingir bons resultados clínicos, mas também para garantir uma transição suave do paciente para o domicílio, minimizando as chances de reinternação e complicações. Esse modelo nos desafia constantemente a buscar inovações e melhorias em nossos serviços.
Portal: Qual seria seu conselho para gestores de operadoras de planos de saúde em relação à adoção de modelos de remuneração baseados em valor?
Carlos Costa: Meu conselho é claro: é essencial que os gestores de operadoras de saúde reconheçam a importância de testar e adotar modelos de remuneração que apoiem o compartilhamento de risco e a performance assistencial.
O modelo tradicional de pagamento por serviço prestado, predominantemente voltado para casos agudos, perpetua um ciclo de reinternações, iatrogenias e aumento dos custos em saúde. Incentivar a adoção de modelos baseados em valor, como o que praticamos na Rede Paulo de Tarso, pode transformar esse cenário, beneficiando não apenas os pacientes com cuidados de maior qualidade e eficiência, mas também o sistema de saúde como um todo, ao reduzir custos desnecessários e promover uma saúde mais sustentável.
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