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Sustentabilidade do sistema de saúde: o papel das clínicas de transição para superar os desafios

A saúde no Brasil vive um momento crucial: a população está envelhecendo, a prevalência de doenças crônicas está aumentando e, com isso, os custos e a demanda por internações hospitalares pressionam a sustentabilidade do sistema de saúde. Para enfrentar esses desafios, as clínicas de transição de cuidados podem ser uma alternativa.

“Nos cuidados de transição estão presentes as condições adequadas aos pacientes após a fase aguda: alinhamento de interesses nos planos terapêuticos, objetivos específicos de cada indivíduo sem procedimentos desnecessários, indicadores de qualidade, performance e desfecho”, explica o fundador da Humana Magna e conselheiro tesoureiro da Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição, Arthur Hutzler. 

Neste artigo, iremos demonstrar como as clínicas de transição representam uma estratégia promissora para enfrentar os desafios dos sistemas de saúde contemporâneos.

Principais desafios para a sustentabilidade do sistema de saúde 

Com o passar dos anos, o perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira foi se modificando. “Em ritmo acelerado verificamos o envelhecimento da população e o aumento da prevalência de doenças crônicas. Neste contexto, a principal consequência é o aumento da demanda por internações hospitalares, cada vez mais prolongadas”, explica Hutzler.

Com a evolução da medicina e de políticas públicas de saúde, a expectativa de vida da população tem aumentado, aliado à queda da taxa de natalidade, com as famílias tendo menos filhos. Com isso, a tendência é o envelhecimento da população, mais propensa a doenças crônicas.

Nesse contexto, o custo do sistema de saúde aumenta, já que, em média, os quadros clínicos tendem a se tornar mais complexos conforme a idade do paciente avança. Especialidades médicas, evoluções tecnológicas e outros aspectos que elevam os custos gerais.

Contribuição das clínicas de transição de cuidados

As clínicas de transição de cuidados atuam como elo entre a internação hospitalar e o retorno para casa. Nesse sentido, oferecem uma alternativa para reduzir as internações quando elas não forem necessárias e capacitam tanto pacientes quanto rede de apoio para o cuidado pós-alta, diminuindo reinternações.

“As instituições de transição são um componente importante nas estratégias para enfrentar os desafios à sinistralidade com a demanda crescente por internações prolongadas”, afirma Hutzler. De acordo com ele, além dos benefícios aos pacientes, o modelo de transição de cuidados traz mais economicidade para a jornada do paciente, já que os custos de uma diária em clínica de transição “oscilam entre 15% e 35% de uma diária hospitalar regular”.

Além disso, a melhora na gestão de doenças crônicas, um diálogo coordenado entre os diferentes provedores de saúde que garanta continuidade dos cuidados e o monitoramento contínuo do paciente são alguns outros benefícios das clínicas para esse contexto.  Do ponto de vista da sustentabilidade do sistema de saúde, são menos readmissões, menos complicações médicas, aliadas a maior satisfação dos beneficiários e coordenação entre os profissionais.

As clínicas de transição em outros países

Os desafios da sustentabilidade do sistema de saúde não são exclusividade do Brasil. Outros países também percebem a mudança no perfil de suas populações ao longo do tempo. “Nos Estados Unidos e na Europa há centenas de milhares de leitos em operação na transição de cuidados (seja em reabilitação, cuidados paliativos ou cuidados prolongados). A relação de leitos de transição por leito hospitalar é muito mais alta que no Brasil”, afirma Hutzler. 

Para garantir a sustentabilidade, o sistema é regulado de forma pragmática, com indicações objetivas da sequência de cuidado de cada indivíduo e liberações, indicadores e condições. “Há um alinhamento maior de interesses entre as partes e o paciente fica menos ‘solto’  no sistema”, avalia Hutzler. Com isso, as decisões se tornam mais otimizadas e os desfechos têm menor taxa de judicialização. 

Possibilidade em implementação

As clínicas de transição de cuidados podem se configurar como uma solução inovadora e eficaz para os desafios do sistema de saúde. “O sistema de saúde passa por uma crise que evidencia a insustentabilidade do sistema no modelo atual. O segmento de cuidados pós fase aguda representa cada vez mais papel fundamental na jornada de cuidados, promovendo cuidado certo no tempo certo a custo certo para a crescente parcela de população portadora de doenças crônicas.”, conclui Arthur Hutzler.

Ao oferecerem um modelo de cuidado centrado no paciente, focado na continuidade e na gestão eficiente de recursos, as clínicas de transição de cuidado podem contribuir para a sustentabilidade do sistema e a melhoria da qualidade de vida da população.

Para saber mais sobre como tornar o nosso sistema de saúde mais sustentável, confira um conteúdo especial sobre o modelo de remuneração baseada em valor.

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Remuneração Baseada em Valor: quais os benefícios para o Sistema de Saúde no Brasil?

O evidente envelhecimento da população brasileira, o aumento da expectativa de vida e da incidência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são alguns fatores que têm tornado cada vez mais desafiadora a sustentabilidade do sistema de saúde no país. 

Em resposta a isso, novos modelos de financiamento, mais centrados na jornada do paciente, têm sido discutidos. Um deles é a Remuneração Baseada em Valor (RBV). 

Fundamentado na noção de “Cuidado de Saúde Baseado em Valor”, um termo derivado do inglês “Value-Based Health Care” (VBHC), a Remuneração Baseada em Valor busca melhorar a eficiência e qualidade dos serviços públicos, valorizando a percepção dos pacientes ao final dos processos

É um modelo que se contrapõe ao Pagamento por Procedimento (Fee For Service), mais comum no país, e à remuneração por diárias.

Neste artigo, compreenda como funciona a Remuneração Baseada em Valor e qual seu impacto no sistema de saúde brasileiro e na qualidade do tratamento dos pacientes.

Remuneração Baseada em Valor: o que é?

O objetivo desse modelo é estabelecer parâmetros que permitam mensurar a qualidade do serviço prestado, com foco em toda a jornada do paciente ao longo da cadeia de interações com o sistema de saúde. 

Nesse sentido, as instituições que oferecem um serviço de mais qualidade são incentivadas com uma remuneração maior.

O modelo de Pagamento por Procedimento (Fee For Service), por exemplo, traz fragilidades graves que comprometem a sustentabilidade do Sistema. Direta ou indiretamente, acabam favorecendo e incentivando a realização de procedimentos desnecessários. Além disso, desarticulam a rede de cuidados e, em última instância, desperdiçam recursos e tempo essenciais em um processo de cura.

A remuneração por diárias também acaba incentivando a permanência além do necessário de muitos pacientes em internações desnecessárias ou reinternações, aumentando o risco de intercorrências. Outro aspecto negativo desse modelo é o desincentivo à mensuração da qualidade em saúde, já que os envolvidos estão focados no volume e não na qualidade.

Principais vantagens do modelo RBV

  • Gastar menos com desperdícios.
  • Investir no que proporciona desfechos mais satisfatórios para os pacientes.
  • Gerar de forma coordenada indicadores de valor  que melhorem o sistema de saúde cada vez mais. 

Essas são as transformações de paradigma que a Remuneração Baseada em Valor pode realizar.

A coordenação de cuidados é um ponto chave nesse processo. Ao invés de incentivar a fragmentação do atendimento que a prioridade do volume acarreta, seu o objetivo final é conseguir uma percepção de valor mais positiva do beneficiário. Para isso, é necessário articular diferentes instituições e prestadores de serviço para a construção de uma jornada do paciente mais eficiente. Isso evita desperdícios, inclusive administrativos, com menos discrepâncias documentais e processos burocráticos junto às operadoras.

Tanto nos Estados Unidos como na Europa, muitos benefícios foram percebidos. Nos EUA, economias substanciais e melhorias na qualidade do cuidado foram percebidos em serviços de saúde que usam a RBV. No continente europeu, a RBV melhorou o alinhamento de incentivos entre pacientes, prestadores e pagadores.

Além disso, a RBV também traz melhores resultados para todos porque aprimora a atenção primária e os cuidados preventivos, preservando os atendimentos de alta complexidade para os momentos em que são mais necessários. 

Além de ser menos custoso para operadoras e prestadores de saúde, para os beneficiários o aumento na segurança assistencial se reflete em menos intervenções agudas e melhores resultados em processos de cura e de recuperações.

Desafios da implantação do modelo RBV no Brasil

Apesar dessas vantagens, a RBV ainda enfrenta alguns desafios para a implementação plena no Brasil. Estima-se que, ainda hoje, mais de 90% da remuneração de atores do Sistema de Saúde Suplementar no país sejam feitas com base no Pagamento por Procedimento.

Um dos principais desafios é cultural. O diálogo precisa ser realizado tanto profissionais quanto beneficiários no sentido de que nem sempre o mais caro ou mais complexo é o mais indicado. Muito pelo contrário, a atenção adaptada à realidade de cada paciente é que deve ser central. 

Outro entrave é consequência dos modelos utilizados atualmente: a desarticulação dificulta o estabelecimento de indicadores de mensuração de valor justos e equilibrados. Essa construção precisa ser coletiva entre todos os atores do Sistema.

Entrevista: CEO da Rede Paulo de Tarso fala sobre os benefícios do modelo RBV

Carlos Costa é CEO da Rede Paulo de Tarso e da Suntor Clínica de Transição

Em entrevista,o CEO da Rede Paulo de Tarso, Carlos Costa, detalha esse modelo inovador e explica como esse novo paradigma pode transformar o sistema de saúde suplementar no país. Confira:

Portal Clínica de Transição: Dr. Carlos Costa, o que é a Remuneração Baseada em Valor (RBV) e como ela se difere do modelo de remuneração tradicional no setor de saúde?

Carlos Costa: A Remuneração Baseada em Valor é uma abordagem inovadora no setor de saúde que foca na qualidade e nos resultados dos cuidados prestados aos pacientes, ao invés da quantidade de serviços fornecidos. 

Diferente do modelo tradicional, que geralmente paga por procedimento ou serviço, a RBV busca alinhar os incentivos financeiros com a saúde e o bem-estar do paciente, premiando os provedores de saúde que conseguem entregar cuidados de alta qualidade, eficazes e eficientes.

Isso significa olhar além dos serviços prestados, focando nos resultados assistenciais e na satisfação do paciente.

Portal: E quais são as principais vantagens da RBV para o sistema de saúde brasileiro?

Carlos Costa: As vantagens são múltiplas e significativas. Primeiramente, a RBV incentiva a redução de desperdícios, pois premia a eficiência e desencoraja práticas desnecessárias. Isso não só otimiza os recursos, mas também pode resultar em economias substanciais para o sistema de saúde como um todo. 

Para os pacientes, essa abordagem promove melhores desfechos assistenciais, como a redução de rehospitalizações e iatrogenias, pois o foco está na qualidade do cuidado. 

Para os provedores de saúde e operadoras de planos de saúde, há o incentivo para a inovação e para a adoção de práticas que verdadeiramente agreguem valor ao paciente, o que pode resultar em vantagens econômicas significativas para ambos.

Portal: Na prática, como a Rede Paulo de Tarso está implementando a RBV? 

Carlos Costa: Na Rede Paulo de Tarso, estamos comprometidos com a implementação da RBV em todos os níveis de atendimento. Isso envolve desde a adoção de tecnologias que permitam um acompanhamento mais preciso dos desfechos assistenciais até a reestruturação de nossos contratos com operadoras de saúde, para que reflitam os princípios da RBV. 

Estamos investindo em sistemas de prontuário eletrônico que integram dados de saúde do paciente em tempo real, permitindo uma avaliação contínua da qualidade do cuidado prestado, seja no período de internação em uma de nossas clínicas ou em monitoramento no domicílio através do Amparo, nosso programa de prevenção secundária. 

Além disso, temos parcerias com operadoras de saúde para desenvolver modelos de pagamento que incentivem a prevenção, o tratamento adequado de condições crônicas e a redução de procedimentos desnecessários.

Portal: Quais desafios vocês enfrentam na implementação da RBV e como estão superando esses obstáculos?

Carlos Costa: A implementação da RBV apresenta vários desafios, incluindo a necessidade de mudança cultural entre os profissionais de saúde, a adaptação de sistemas de TI para suportar a coleta e análise de dados relevantes, e a negociação de modelos de remuneração com operadoras de planos de saúde. 

Estamos superando esses obstáculos através de programas de treinamento contínuo para nossa equipe, investindo em infraestrutura tecnológica e trabalhando em estreita colaboração com as operadoras para desenvolver modelos de remuneração que sejam justos e que incentivem a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde.

Portal: Qual mensagem você gostaria de deixar para os demais gestores de saúde e para o público em geral sobre a RBV?

Carlos Costa: Gostaria de enfatizar que a Remuneração Baseada em Valor não é apenas uma tendência ou um conceito teórico; é uma abordagem necessária e transformadora que tem o potencial de melhorar significativamente a qualidade e a eficiência do cuidado em saúde. 

Para meus colegas gestores, meu conselho é começar a jornada em direção à RBV agora, envolvendo-se ativamente na redefinição de como o cuidado em saúde é prestado e remunerado. 

Para o público em geral, saibam que a RBV é sobre colocar os seus interesses no centro do sistema de saúde, assegurando que você receba o cuidado de que precisa, quando precisa, da forma mais eficaz e eficiente possível. Juntos, podemos transformar o sistema de saúde para melhor, com foco no que realmente importa: a saúde e o bem-estar dos pacientes.

Portal: Como a Rede Paulo de Tarso, especificamente através de suas unidades Clínica de Transição Paulo de Tarso e Suntor Clínica de Transição, utiliza indicadores de desempenho para melhorar os resultados dos pacientes?

Carlos Costa: Em nossas unidades, adotamos uma abordagem rigorosa na mensuração de desfechos clínicos que realmente importam para o paciente. Por exemplo, monitoramos de perto indicadores como Ganho de Função Motora, Desmame de Ventilação Mecânica, e Desmame de Traqueostomia. 

Estes indicadores são vitais para entendermos não apenas o progresso do paciente durante o tratamento, mas também para ajustarmos nossas estratégias e garantir os melhores resultados possíveis. Um dado que nos orgulhamos é que, em média, conseguimos efetuar o desmame da traqueostomia em 9 de cada 10 pacientes, um resultado que fala sobre volume e a qualidade do nosso cuidado.

Portal: Como esses resultados impactam a economia pós-alta e a qualidade de vida do paciente?

Carlos Costa: Esses resultados têm um impacto direto tanto na economia pós-alta quanto na qualidade de vida do paciente. 

Quando um paciente retorna ao domicílio sem a necessidade de suportes invasivos como a ventilação mecânica ou sondas nasoentéricas, os custos com cuidados continuados e o risco de complicações diminuem significativamente.

Além disso, a nossa incidência de lesão por pressão é menor que 1%, muito abaixo da média hospitalar apontada por algumas literaturas entre 15 e 25%, o que significa menos necessidade de curativos especiais e tratamentos para feridas infectadas. 

Isso não só reduz os custos com antibióticos caros como também melhora significativamente a recuperação e o bem-estar do paciente.

Portal: E como o modelo de remuneração que a Rede Paulo de Tarso pratica influencia nos resultados?

Carlos Costa: Nossa Rede adota um modelo de remuneração que realmente incentiva a melhoria contínua e o compartilhamento de riscos. Através desse modelo, nós alinhamos nossos interesses com os das operadoras de planos de saúde e, mais importante, com os dos pacientes. 

Isso significa que somos incentivados a proporcionar o melhor cuidado possível, não apenas para atingir bons resultados clínicos, mas também para garantir uma transição suave do paciente para o domicílio, minimizando as chances de reinternação e complicações. Esse modelo nos desafia constantemente a buscar inovações e melhorias em nossos serviços.

Portal: Qual seria seu conselho para gestores de operadoras de planos de saúde em relação à adoção de modelos de remuneração baseados em valor?

Carlos Costa: Meu conselho é claro: é essencial que os gestores de operadoras de saúde reconheçam a importância de testar e adotar modelos de remuneração que apoiem o compartilhamento de risco e a performance assistencial.

O modelo tradicional de pagamento por serviço prestado, predominantemente voltado para casos agudos, perpetua um ciclo de reinternações, iatrogenias e aumento dos custos em saúde. Incentivar a adoção de modelos baseados em valor, como o que praticamos na Rede Paulo de Tarso, pode transformar esse cenário, beneficiando não apenas os pacientes com cuidados de maior qualidade e eficiência, mas também o sistema de saúde como um todo, ao reduzir custos desnecessários e promover uma saúde mais sustentável.

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Sustentabilidade e Economicidade na Transição de Cuidados

O CBO da Rede Paulo de Tarso, Bernardo Hamacek, explica de que forma as Clínicas de Transição podem ajudar o sistema de saúde, trazendo economia e sustentabilidade para o setor.

Entenda também de que forma as Clínicas de Transição são um diferencial na reabilitação de pacientes, reduzindo sequelas e as chances de reospitalização.

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Clínica de Transição: o que é, sua origem e seus resultados ao redor do mundo

Clínicas de transição são unidades de referência em cuidados especializados e são considerados o elo entre os serviços de alta complexidade oferecidos no hospital geral e o retorno seguro do paciente ao domicílio. 

Seu foco é o atendimento às pessoas que apresentam um quadro clínico estável o suficiente para deixar o hospital após um evento agudo, mas que ainda necessitam de cuidados multidisciplinares ou um período de reabilitação e adaptação antes de voltar às suas casas. 

Essas unidades também recebem pacientes em cuidados paliativos, com doenças sem prognóstico de cura e manejo avançado de sintomas associados à terminalidade.

Para garantir essa passagem segura e eficiente entre níveis de cuidado, evitando agravamento de quadros e reinternações, a unidade de transição engloba um amplo espectro de serviços e ambientes especialmente estruturados, trazendo elementos de humanização, acolhimento e integração do paciente. 

Um dos seus diferenciais é trabalhar com planos de cuidados individualizados, que são concebidos e executados por uma equipe transdisciplinar (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais). Outra característica importante das clínicas de transição é o tempo dedicado à orientação e preparação de familiares e cuidadores dos pacientes para que tenham condições de dar continuidade aos cuidados necessários aos pacientes em um novo contexto domiciliar.

Mas como e onde esse modelo surgiu? Por que ele tem se popularizado? Quais são seus benefícios? E, principalmente: como ele funciona na prática? 

O mundo muda e os cuidados também

Nas últimas décadas, o perfil da população mundial mudou. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, em 2018, pela primeira vez na história, as pessoas com 65 anos ou mais superaram numericamente as crianças com menos de cinco anos. 

E, embora o Brasil ainda seja considerado um país relativamente jovem em comparação com algumas nações mais desenvolvidas, essa transição demográfica em direção a uma população mais idosa também está em curso por aqui. É o que podemos observar no gráfico abaixo, divulgado pelo Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME). 

Qual a proporção entre pessoas mais velhas e mais novas na população e como esses padrões vão mudar?

QUAL É A PROPORÇÃO ENTRE PESSOAS MAIS VELHAS E MAIS NOVAS NA POPULAÇÃO E COMO ESSES PADRÕES VÃO MUDAR
Fonte: Pesquisa “Global Burden of Disease 2017”, divulgada pelo IHME, instituto sediado na Universidade de Washington, em Seattle (EUA)

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que essa mudança está em andamento há algumas décadas: de 1940 até 2022, a expectativa de vida do brasileiro (média considerando homens e mulheres) saltou de 45,5 anos para 75,5 anos. Nos últimos 16 anos, a tendência se evidenciou ainda mais, visto que a população idosa aumentou 73%, totalizando mais de 33 milhões de pessoas em 2023 (16% da população total). 

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. Nesse mesmo panorama, Minas Gerais deverá ser o estado com a maior população idosa do país até 2060, prevendo-se que 1 em cada 3 mineiros terá mais de 60 anos.

As projeções para o futuro mostram uma continuidade dessa tendência, estimando que, em 2100, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer será de 88 anos e que as pessoas 60+ serão quase 40% da população (pesquisa “World Population Prospects: The 2015 Revision”, da Organização das Nações Unidas).

Esse cenário apresenta grandes desafios, especialmente na área da saúde, que se depara com uma nova demanda: a necessidade da criação de clínicas cada vez mais capacitadas e focadas no cuidado de pacientes mais velhos e com condições de saúde complexas. 

As clínicas de transição ganharam destaque pela filosofia Hospice dos Cuidados Paliativos, que, além do respeito à autonomia do paciente, traz como foco os cuidados essenciais de suporte emocional, social, físico e até espiritual de pessoas que apresentam normalmente sintomas de difícil controle e perda de funcionalidade. O nome “hospice” faz referência ao termo hospitalidade, com origem histórica nos abrigos e hospedarias para pessoas doentes que eram mantidos por religiosos na Europa do século XI. Mais tarde, esse modelo evoluiu até chegar ao de clínica de transição que conhecemos hoje.

A Europa (região que já sente o envelhecimento da população há mais tempo) saiu na frente, seguida pelos Estados Unidos e Canadá. Embora se organizem com o mesmo objetivo – fazer uma desospitalização segura e melhorar a qualidade de vida de pacientes pós-agudos, crônicos e paliativos – os cuidados de transição se estruturam de forma diferente, dependendo do país. 

Em Portugal, que é referência forte para o modelo de transição que vem sendo desenvolvido no Brasil, os cuidados integrados de transição estão ligados à rede nacional de saúde, por isso seguem um modelo mais centralizado e padronizado. Guardadas as devidas particularidades, um modelo semelhante ocorre no Reino Unido e no Canadá. Nos Estados Unidos, onde a estrutura da rede de saúde é mais pulverizada e envolve um grande número de instituições privadas, acontece uma variação maior de modelos e formatos de prestação de serviços. 

Mas, independentemente da gestão adotada, as unidades de transição mostram crescimento global. Em países europeus e no Canadá, do total de leitos disponíveis atualmente, de 15% a 25% estão na categoria “transição”. Nos Estados Unidos, a quantidade de leitos para cuidados pós-agudos já supera largamente a de leitos agudos. 

No Brasil, a primeira unidade de transição de cuidados foi inaugurada em meados da década de 1970, mas o modelo assistencial ganhou mais destaque no início dos anos 2000, e atualmente passa por grande expansão. Grande parte (9 a cada 10 leitos) ainda se concentra na região Sudeste, com ênfase em São Paulo, que é responsável por 62,6% da oferta (dados da Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição – Abrahct). 

Modelo em constante evolução e aprimoramento 

A criação de clínicas de transição ganhou destaque à medida que os sistemas de saúde reconheceram a importância de abordagens mais integradas e centradas no paciente. A transição de cuidados se tornou uma área de foco pelos benefícios que apresenta, tanto em termos de soluções assistenciais eficientes – colaborando, por exemplo, com a redução das taxas de readmissão hospitalar – quanto na melhora da economicidade dos serviços de saúde.

Embora não haja uma data precisa para o surgimento dessas unidades de transição, é seguro dizer que o conceito tem evoluído e se aprimorado nas últimas décadas, à medida que os sistemas de saúde buscam maneiras mais eficazes e econômicas de fornecer cuidados contínuos e de qualidade.

O que as clínicas de transição fazem?

De maneira geral, as clínicas de transição de referência no Brasil oferecem um jeito único de cuidar, em um ambiente menos propício a infecções, baseadas em três linhas de cuidados: reabilitação, cuidados crônicos e paliativos. 

As clínicas de transição têm o papel de acolher pacientes após a fase aguda de uma doença que já não demandem intervenções de alta complexidade ou terapia intensiva, mas que, devido a enfermidades crônicas ou degenerativas (mais comuns no público idoso) ou por sequelas pós-traumas ou operatórias, apresentam perda de funcionalidade e ainda necessitam de recuperação depois da saída do hospital geral. Ou seja, esse paciente já superou a fase aguda da doença, mas ainda está debilitado funcionalmente e não está totalmente preparado para voltar para casa.

O ambiente de uma clínica de transição é propício para a reabilitação das funcionalidades do paciente e para dar mais qualidade de vida a ele. Geralmente, inclui um avançado centro de reabilitação física e atividades terapêuticas com foco nas habilidades necessárias para se ter autonomia no dia a dia, permitindo que os pacientes redescubram alguns prazeres nas coisas simples da vida, como pentear os cabelos, se alimentar por via oral ou respirar sem ajuda de aparelhos.

Um outro aspecto importante é o uso de tecnologias leves e especializadas no processo de reabilitação. Tudo isso, colocado em prática por equipes transdisciplinares, que auxiliam os pacientes a terem mais autonomia, independência e qualidade de vida. 

Uma proposta que não visa somente à cura da doença, mas coloca o paciente e a família como uma unidade de cuidado, tratando de forma certa, no tempo correto e local adequado, permitindo uma assistência que vai gerar os melhores resultados para o paciente.

Outras práticas que ajudam a ampliar a efetividade dos atendimentos em clínicas de transição são: 

Plano terapêutico individualizado

No momento da admissão, os pacientes são avaliados por uma equipe transdisciplinar, que desenvolve planos terapêuticos individualizados para garantir a recuperação da autonomia e bem-estar.

Administração de medicamentos

A correta adesão aos tratamentos médicos iniciados no período agudo deve ser uma preocupação prioritária para a clínica de transição. A equipe assistencial deve assegurar que os pacientes recebam a medicação correta no horário adequado, com monitoramento de possíveis efeitos colaterais ou interações medicamentosas.

Educação e capacitação de familiares e cuidadores

No contexto dos cuidados de transição, a educação e a capacitação das famílias fazem toda a diferença. Afinal, elas precisam estar envolvidas, bem como aptas a cuidar de seus entes queridos no retorno ao lar. O mesmo vale para os cuidadores, que muitas vezes precisam de orientações específicas acerca do quadro do paciente. Na clínica de transição, pacientes, familiares e cuidadores são educados sobre o manejo de condições médicas, cuidados diários e outras necessidades de saúde.

Apoio psicológico e social

O momento de transição de cuidados pode envolver estresse, ansiedade e até mesmo depressão para pacientes e familiares. Por isso, profissionais como psicólogos e assistentes sociais são fundamentais para promover o bem-estar e a saúde mental.

Preparação para o retorno para casa

O preparo do retorno para casa é uma das principais funções das clínicas de transição. Após a alta do hospital geral, os cuidados prestados nessa instituição se voltam para a capacitação aos cuidados a serem prestados no retorno ao lar, adaptação e manuseio de  dispositivos (ventilatórios, sondas, entre outros), bem como preparação do indivíduo para uma vida mais independente. Tudo isso colabora na autonomia e na autoestima do paciente, permitindo que ele retome suas funcionalidades e qualidade de vida.

Redução significativa de custos

Outra dimensão fundamental é a economia. O custo de um paciente em uma clínica ou hospital de transição é consideravelmente menor em comparação a uma internação hospitalar tradicional, com reduções entre 50% e 80%. Isso se torna ainda mais importante em um momento em que o sistema de saúde suplementar enfrenta desafios, como altas taxas de sinistralidade e custos médicos elevados. A eficiência e a redução de custos oferecidas pelas clínicas de transição colaboram para a sustentabilidade do sistema de saúde.

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